terça-feira, 30 de junho de 2020

Sobre o impactante Joker de 2019


Com todo esse tempo que levei para finalmente assistir Joker, já tinha, obviamente, ouvido vários comentários a respeito, porém, a surpresa era o tom com o qual as pessoas falavam: bastante carregado e austero, o que não é bem o esperado quando se trata de um filme sobre um personagem originário dos quadrinhos, ainda que seja o icônico Coringa, que já nos rendeu excelentes antagonistas no passado.




O Joker de 2019 vai muito além de qualquer coisa que já tenhamos visto sobre o universo da DC. Ele nos apresenta uma crítica social profunda, um protagonista envolto numa atmosfera densa e melancólica, vivendo numa Gotham City afundada na miséria, na sujeira, na desigualdade e no escárnio. O ano é 1981, porém o contexto é mais atual do que nunca.


“A pior parte de ter uma doença mental
é que as pessoas esperam que você
 se comporte como se não tivesse.”


Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) é o típico sujeito que a sociedade local define como "um homem fracassado". Já com certa idade, "ainda" mora com a mãe, de quem cuida atenciosamente, num condomínio de estrutura totalmente precária em um subúrbio americano. Ele sofre de uma doença mental rara que o faz dar risadas incontroláveis nas mais inesperadas situações. Apesar de desfavorecido em vários aspectos da vida e das constantes humilhações pelas quais passa, ele é uma pessoa extremamente amável que encontra algumas alegrias nas pequenas coisas do dia-dia, como seu programa de comédia favorito da TV, e sempre tenta, da forma que lhe é possível, alegrar as pessoas ao seu redor.




Esse inocente intuito de, como ele cita, "fazer as pessoas sorrirem", é tão acentuado que ele mesmo o tomou como um desígnio e se lançou em busca de uma carreira no stand up comedy, após ser demitido da empresa para a qual trabalhava como uma espécie de "animador", sempre vestido de palhaço.

Aliado aos vários comprimidos que toma diariamente desde que saiu do sanatório, tudo isso parece servir como mecanismo para internalizar a sua dor e aliviar os pensamentos negativos. Ele até minimiza a hostilidade com a qual é tratado.

Contudo, esse quadro começa a mudar quando pela primeira vez ele, já exausto, se vê em condições reais de revidar uma agressão. E assim ele o faz. Antes, era como se ele mal existisse. Depois, ainda que anonimamente, vê suas ações repercutirem na cidade inteira. Seu crime acaba estimulando uma série de manifestações advindas das "classes dominadas", dentre as quais já pairava um forte clima de tensão por causa do descaso com o qual são tratadas. Aquilo começa a encantá-lo. Ele existe, afinal de contas, e não foi a vida correta que levava que mostrou isso.




Sem querer, ele acaba descobrindo terríveis verdades sobre seu passado, e como se não bastasse, dá-se conta de que aquelas suas pequenas alegrias do dia-dia não passavam de meras ilusões. Toda essa sequência de acontecimentos, juntamente com o verdadeiro linchamento psicológico (e físico também) que vinha sofrendo, o faz passar por uma penosa transformação, partindo do filho retraído e inocente, para o descarado e violento Coringa.




Dentre tantas outras coisas, o filme consegue nos exemplificar como a sociedade pode ser capaz de criar os seus próprios monstros. Como falta sensibilidade até mesmo em pessoas que também são oprimidas ou vivem à margem, mas se sentem encorajadas a maltratar os que supostamente estão posicionados alguns degraus abaixo. Exclusão, isolamento, violência emocional, podridão e miséria humanas, e por fim o caos. Está tudo lá, de maneira altamente impactante.

"O homem que nesta terra miserável mora, entre feras,
sente inevitável necessidade de também ser fera".
(Augusto dos Anjos)


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